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26 março 2007

ODISSÉIA . KEN WILBER Tradução de Ari Raynsford
Uma investigação pessoal sobre Psicologia Humanística e Transpessoal

Os existencialistas ressaltavam que onde quer que haja um self individual, há angústia, sofrimento, o terror de existir e o terror da morte. “A arqui-ansiedade essencial, básica, é inerente a todas as formas isoladas, individuais, da existência humana. Na sua angústia básica, o ser humano tem medo de, bem como fica ansioso com, ‘estar-no-mundo.’” escreveu Boss (1973). Isto não é terror neurótico, mas um terror inerente, e a sua percepção não é doentia mas sim verdadeira. De fato, a falha em compreender esta angústia inerente é alcançada somente pela negação ou repressão da real e precária natureza da existência. Não é a ansiedade que é neurótica e sim a complacência. O self feliz é o self doente, o self que “tranqüiliza-se com o trivial”, como colocado por Kierkegaard; ou a pessoa inautêntica, disse Heidegger, é aquela que não tem consciência da morte inesperada e solitária.


Mesmo Freud logo chegaria a esse entendimento, pois como finalmente colocou: “É a ansiedade que causa repressão e não, como eu pensava, a repressão que causa ansiedade.” Em outras palavras, angústia é o estado básico do self individual, e, então, o self individual estimula a repressão em resposta à ansiedade, a fim de proteger-se do terror da morte, do não-ser, da nulidade.

Então, os existencialistas, como o epítome da teoria personalista, vislumbraram precisamente a natureza da existência do self-individual. Eles diagnosticaram perfeitamente a humanidade e o diagnóstico foi angústia. Ao verem que a ansiedade vem antes da repressão, eles não puderam mais definir a angústia como meramente neurótica ou anormal. Ao contrário, ela era básica; era, antes de tudo, algo inerente ao sentido do self-individual e não algo causado por treinamento falho para ir ao banheiro ou algo de que o self poderia ter se livrado se mamãe e papai tivessem sido bons para ele. Era existencial e não meramente circunstancial. Do mesmo modo, a neurose (ou neurose fundamental) não era causada pela repressão mas pela falha em reprimir; não “quanto mais repressão, mais neurótico e infeliz”; ao contrário, “quanto menos repressão, mais infeliz”, simplesmente porque menos repressão significava uma pessoa aproximando-se mais da verdadeira natureza da realidade e da existência, e esta natureza é angústia, a vida amarga, o self infeliz, o self que, inerentemente, é anicca, anatta, dukkha (impermanente, insubstancial, amargurado).


As tradições místicas ou transpessoais concordam com esse diagnóstico – o self individual, o sujeito separado dos objetos, depara-se necessariamente com dukkha ou amargura-angústia. “Sempre que há outro, há medo.” ensina o Upanishads (vide Hume, 1974). “O inferno são os outros.” rebate Sartre.

Entretanto, as tradições transpessoais afirmam que há uma caminho de saída para o sofrimento, para o pecado e para a doença chamada self. É verdade, elas confirmam, que onde há outro, há medo e onde há o self, há angústia, mas é possível transcender-se o medo e a angústia, transcendendo-se o self e o outro. Nada que o self possa fazer acabará com a angústia porque o self é angústia; somente se transcende a angústia morrendo para o self – ambos ascendem e caem juntos.


Portanto, diz-se que a realidade suprema é “não-dual”, o que pode ser entendido como ela estando além da dicotomia do sujeito e do objeto ou como sendo a união do sujeito e do objeto.

O ponto é que a descoberta dessa unidade última, ou Identidade Suprema, é uma libertação da sina de ser um self individual. Ao vislumbrarmos que o self e o outro são um, libertamo-nos do medo de viver; vendo que o ser e o não-ser são um, libertamo-nos do medo de morrer. Neste ponto – mas não antes – o indivíduo não precisa mais reprimir a morte; pois “a morte perde seu ferrão.” Descobrindo o Todo, ele ou ela libertam-se do destino de ser uma parte.


Assim, não só as tradições transpessoais entenderam o diagnóstico da humanidade – angústia, dukkha, terror da morte – como foram além dos existencialistas e descobriram a prognose da humanidade, a cura para a doença em si. A palavra para prognose em sânscrito é prajna (prajna = pró-gnose), e é prajna, ou insight transcendente, que estilhaça as correntes de samsara,
[1] de dukkha, de sofrimento e angústia. E é prajna – pró-gnose, insight gnóstico, jnana – que é ativado e mantido em todas as verdadeiras formas de meditação e contemplação. Portanto, os transpersonalistas foram além, mas incluíram os existencialistas.


Então, passei a entender, de modo vívido, a conclusão lógica das caixas chinesas. Vocês já devem ter visto um conjunto dessas caixas de brinquedo. Cada caixa é um pouco maior que a anterior, de modo que a anterior cabe dentro dela. Com efeito, a conclusão tirada da ilustração desse brinquedo é que se um sistema filosófico pode abraçar outro, mas não vice-versa, então o sistema mais abrangente é o mais válido. Assim, do mesmo modo que a Física Newtoniana é um subconjunto da Física Einsteiniana, o existencialismo é uma caixa chinesa menor, parcial e incompleta, mas correta em seu domínio, que é envolvida pela caixa maior dos transcendentalistas (mas não vice-versa).

Esta conclusão seria a pedra fundamental de toda a minha teorização subseqüente e permitiria que eu estabelecesse claramente uma hierarquia, não somente em filosofias e psicologias, como também em níveis de consciência e de existência.

TEXTO COMPLETO clique aqui
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Saiba mais:
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http://www.kenwilber.com(em inglês).
http://wilber.shambhala.com(em inglês).


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